Gramática sem decoreba | Língua Portuguesa | Nova Escola

Gramática sem decoreba | Língua Portuguesa | Nova Escola
http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/gramatica-decoreba-423568.shtml


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TUDO SOBRE

Há anos se fala de uma concepção diferente do ensino de gramática, mas pouca coisa mudou.O professor sabe que decorar regras e ler a gramática (que deve ser usada só para consulta) não funcionam. Isso porque somente o estudo teórico não leva ninguém a falar, ler e escrever melhor.Como muitos educadores ainda não descobriram outra forma de abordar o tema, simplesmente o deixam de lado. O resultado é que o conteúdo praticamente desapareceu da sala de aula.

Essa parte da língua foi relegada porque se acreditava que ela não dava competência para redigir bem. "Nos anos 1990, essa idéia começou a ser questionada", observa Kátia Lomba Brakling, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª. "Tudo o que se vê nos programas de leitura mostrou que esse é mais um dos componentes a ser abordado quando se fala em reflexão sobre a língua."


Existe uma enorme dificuldade em inovar a didática nesse campo. A constatação é de Artur Gomes de Morais, do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco, que fez uma pesquisa sobre o tema em 2002. Ele pretendia verificar o que se realizava em classe com as séries iniciais do Ensino Fundamental em relação às novas orientações para o desenvolvimento do conteúdo.

Foram entrevistadas 12 professoras de 3ª e 4ª série da rede pública municipal do Recife.Apesar de se esforçarem, Morais verificou que elas mantinham um pé na inovação e outro no convencional. O que chamam de gramática contextualizada, em geral, são aulas sobre nomenclatura e classificações, só que travestidas porque se baseiam em um texto.Ainda hoje estamos longe do desejável,mas vêm ocorrendo algumas inovações. Um caminho interessante é desvendar com a garotada a intenção do autor ao escolher determinada forma de escrever, como faz o professor Perón Rios, da Escola de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (leia o quadro).

Ana Silvia Moço Aparício, da Universidade de Campinas, chegou a conclusões semelhantes às de Morais em estudo feito com dez educadoras de 5ª a 8ª série da rede pública de Penápolis (SP). "Elas diziam inovar nessa área, mas privilegiavam a leitura e a escrita e os conteúdos vistos continuavam sendo as categorias tradicionais, como substantivos, adjetivos e preposições, usando o texto como pretexto."

Carta a um amigo

As atividades propostas em Língua Portuguesa aos estudantes da Escola de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco procuram sempre aliar, de forma unificada e coerente, várias áreas da disciplina, como gramática, leitura e produção textual. É o que mostra o plano de aula desenvolvido pelo professor Perón Rios com uma turma de 8ª série.

1. Rios pediu que todos lessem uma carta de Carlos Drummond de Andrade a João Cabral de Melo Neto (publicada em Correspondência de Cabral com Drummond e Bandeira) e discutiu sobre tipos de saudação e formato. Como é uma carta pessoal, a linguagem afetiva predomina.

2. Em seguida, a turma leu e discutiu o poema Imitação da Água (publicado em Obra Completa de João Cabral de Melo Neto) e escreveu uma carta para João Cabral, comentando o poema. Todos podiam tratá-lo como amigo (com linguagem afetiva) ou alguém distante (empregando a linguagem formal).

3. Escolhida uma das cartas para ser analisada, foram destacadas referência temporal, saudação e linguagem (pessoal afetiva). O professor sublinhou os marcadores de tempo, lugar e modo e pediu que a função deles fosse apontada. Era necessário analisar o peso de palavras como "cuidadosamente" no sentido buscado pelo aluno. "Poderíamos retirar esse termo sem modificar o sentido?", questionou.

4. Como próxima atividade, Rios propôs a reescrita de alguns trechos. O marcador usado em uma determinada frase em destaque era o mais adequado para exprimir a intenção da autora? Ele poderia ser substituído por outra palavra mais apropriada? Qual?

5. Rios explicou que os marcadores exprimem circunstâncias e são chamados de advérbios. Depois, pediu a todos que conceituassem os advérbios. Para concluir, compararam com a definição do livro.

Mais que a classificação, é preciso saber a função

Apenas encontrar substantivos e pronomes em um conto não é suficiente para ampliar o conhecimento da gramática, segundo Irandé Antunes, da Universidade Estadual do Ceará. "É preciso ir além das definições para descobrir, por exemplo, a função deles na introdução e na manutenção do tema ou do enredo", ela defende." Saber que é indeterminado o sujeito de uma frase é muito pouco. O importante é compreender por quê, com que propósito discursivo, se preferiu deixá-lo assim."Portanto, diz Irandé, é necessário ir além da nomenclatura, das classificações, da simples análise sintática de frases soltas para ver como as unidades da língua funcionam na construção dos textos e que efeitos seus usos podem provocar na constituição do discurso.

As pesquisas sobre o ensino de gramática levam em conta que, para haver uma boa comunicação, a pessoa deve adequar a forma como se expressa à situação comunicativa em que se encontra. "A questão não é exatamente aprender as regras gramaticais, mas dominar também a língua culta de uso real, aquela de fato usada pelas pessoas mais escolarizadas", aponta Morais.

É essencial que a garotada aprenda a importância de falar e escrever de acordo com a variante lingüística prestigiada socialmente, que é esperada em determinadas situações sociais." Se o aprendiz a domina, poderá compreender mais o que é dito ou escrito pelas pessoas mais letradas. Ele vai entender o que foi escrito num tom mais formal, desfrutar de obras literárias, compreender melhor publicações científicas", explica Morais.

Além disso, o domínio da variante prestigiada permite que os jovens não sejam discriminados em certos contextos e lhes dá uma ferramenta a mais para lutar por seus princípios e interesses como cidadãos. Dominando os saberes de como a língua funciona, eles estarão aptos a distinguir, por exemplo, que palavras ou expressões serão adequadas ou não usar de acordo com a formalidade da situação ou com seus interlocutores. "É o que a lingüística conceituou de competência codemunicativa e que muitas escolas ainda não incorporaram. Ainda tendem a achar que se escreve e fala de um jeito só, como se não importassem o gênero textual e a situação comunicativa", diz Morais.

O tempo presente no artigo de opinião

A leitura de textos de variados gêneros e a análise da produção da meninada são a base das aulas de gramática do professor Manuel Araújo, da EMEF Antonio Carlos de Andrade e Silva, em São Paulo. "Não promovo apenas um simples estudo de regras, mas dou recursos para o entendimento de como o texto foi construído." Acompanhe uma das atividades propostas às turmas de 8ª série.

1. Em duplas, os estudantes leram o artigo "Efeitos do trânsito", de Bruno Soerensen, publicado na Folha de S.Paulo, e procuram as palavras desconhecidas no dicionário, verificando qual definição combinava melhor com o sentido. Se não conseguiam decidir, Araújo pedia que identificassem o provável significado com base no contexto.

2. Para analisar a intenção do autor, Manuel discutiu o papel dos tempos verbais e propôs a comparação do artigo (com verbos no presente do indicativo) a um conto de Ignácio de Loyola Brandão, A Descoberta da Escrita (texto narrativo, com verbos no pretérito), do livro O Homem do Furo na Mão. A tarefa era refletir sobre a predominância do presente em gêneros que expressam opinião.

3. Miguel pediu que cada aluno escrevesse um pequeno comentário, defendendo suas idéias sobre o impacto na saúde das pessoas causado pelo trânsito. A estrutura do artigo de opinião deveria ser empregada.

4. Com base na produção, ele avaliou a turma e localizou dificuldades, como as de concordância. Ele pôs na lousa frases que apresentavam erros, como "Os carro é perigoso para as pessoas". Em seguida, elas foram reescritas (leia abaixo) e analisadas para descobrir se havia diferenças de sentido entre elas.

5. Por fim, Manuel retomou o artigo "Efeitos do trânsito", mostrando que, optando pelo verbo no presente - que conferiu um tom de veracidade -, o autor pretendia causar um efeito: convencer o leitor de que o trânsito é nocivo. Assim, a turma entendeu que o ato de escrever nunca é aleatório.

Desmontar textos para compreender os sentidos

Irandé Antunes vai além: segundo ela, boa parte dos equívocos que se cometem em classe poderia ser evitada ao fazer a distinção entre o que são e o que não são regras gramaticais. Estas, segundo entende, são as regularidades, as normas que ajudam a entender como usar e combinar as unidades da língua para produzir determinado efeito comunicativo. Nesse grupo, ela lista: a descrição de como empregar pronomes ou de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa ou como usar flexões verbais para indicar determinadas intenções, entre outras. Foi o que fez o professor Manuel Araújo, da EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva, em São Paulo (leia o quadro na próxima página) tendo Mais que a classificação, como material de trabalho um artigo de opinião e um conto.

Os especialistas encampam a idéia de que, para ensinar as regras gramaticais em situações reais de uso, é preciso o convívio reiterado com diferentes gêneros e níveis de formalidade, mas com uma abordagem bem específica."Precisamos desmontar esses textos para ver como seus sentidos foram construídos, articulados e expressos em uma unidade semântica mais ampla", afirma Irandé.

Com uma boa formação e um estudo constantes, é possível montar propostas eficientes baseadas em bons modelos de variados gêneros. É o que faz a professora Irene Tamaki Uematsu Harasawa (leia o quadro). Ela apresenta notícias e poemas, por exemplo, aos alunos do Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo, e os leva a refletir sobre por que o autor optou por determinadas construções sintáticas e sobre que efeitos produziu no leitor.

Além de oferecer modelos para análise - em que se buscam as regularidades da língua -, cabe ao educador também criar oportunidades para que o grupo escreva muito.Morais afirma que outra estratégia importante é a reescrita, para que as produções fiquem adequados tanto do ponto de vista normativo (emprego da concordância e ortografia) como em relação à textualidade (estrutura e formato, escolha do vocabulário). Para aproveitar bem cada uma dessas situações, é essencial estar preparado, já que muitas dúvidas vão surgir."Ainda falta conhecimento gramatical aos responsáveis pelas aulas de Língua Portuguesa.O conteúdo está lá, no livrão, e o professor precisa se apropriar dele", entende Kátia Brakling.

Um grande desafio

Ensinar a gramática de acordo com as novas orientações é um grande nó para quem leciona Língua Portuguesa. "As aulas de gramática normativa, baseadas só em fatos da língua-padrão, não têm sentido para a garotada", admite Irene Tamaki Uematsu Harasawa, que leciona há 26 anos. Há sete, ao ingressar no Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo, ela mergulhou em um novo jeito de desenvolver o conteúdo. Para dar conta do desafio, faz muitos cursos. "Quando o estudante é estimulado a refletir sobre a língua, ele vai longe. Precisamos saber responder às questões."

Suas aulas para turmas de 6ª série se baseiam em diversos gêneros e na análise das escolhas lingüísticas feitas pelo autor para construir os sentidos desejados. Ao apresentar o poema O Homem; as Viagens, de Carlos Drummond de Andrade (publicado no livro As Impurezas do Branco) ela instigou a turma, primeiro, a pensar na pontuação. "Por que o autor utilizou ponto-e-vírgula no título?" Um garoto respondeu que o ponto-e-vírgula é uma pausa maior e daria a impressão de uma viagem que se alonga. Assim, os alunos analisaram as escolhas lingüísticas do autor e concluíram que são características da poesia.

Como analisa produções de gêneros variados, a turma de Irene percebe a grande variação de recursos. Para sistematizar os conceitos gramaticais, ela destaca algumas frases e, em vez de começar colocando as definição no quadro-negro - como fazia no passado -, dá diversos exemplos e provoca os jovens para que construam o conceito. "Na etapa final, confrontamos as definições deles com a do livro." Com esse processo, os estudantes refletem sobre as possibilidades de uso de determinadas palavras e realizam diferentes atividades para sistematizar o conhecimento.

Estudar gramática dentro das práticas de linguagem...

• Ajuda a descobrir como a língua funciona em situações reais de uso.

• Aprimora a compreensão em situações de leitura e amplia as possibilidades de uso da língua em situações de escrita.

Gênero
Existe um número quase ilimitado de gêneros, que variam em função da época, da cultura e dos propósitos comunicativos. Eles são caracterizados pelo conteúdo temático e pela forma de composição.

Vocativo é o nome do termo sintático que serve para nomear um interlocutor a quem se dirige a palavra.

Advérbio
de tempo: hoje, ontem, anteontem, amanhã, atualmente, sempre, nunca, jamais, cedo, tarde, antes etc.
de lugar: aqui, aí, ali, cá, lá, acolá, longe, perto, dentro, acima, abaixo, à direita, à esquerda etc.
de modo: bem, mal, assim, depressa, devagar, rapidamente, lentamente, facilmente etc.

Contexto
A consulta ao dicionário contribui para a perfeita compreensão e expressão de idéias, opiniões e sentimentos. Os diferentes significados que a palavra pode apresentar são dispostos em ordem numérica. Também são oferecidos sinônimos e exemplos de emprego da palavra.

Tempos verbais
O presente do indicativo pode também expressar processos habituais, regulares, ou aquilo que tem validade permanente. O pretérito perfeito simples exprime os processos verbais concluídos e localizados num momento ou período definido do passado.

Concordância
verbal: o verbo altera sua terminação para se adequar ao sujeito da frase.
nominal: os adjetivos, artigos, pronomes e numerais alteram sua terminação para se adequarem ao substantivo a que se referem na frase.

Reticências (...) indicam uma interrupção da seqüência da frase, com conseqüente suspensão da melodia. Ela pode se dar por motivos estilísticos.

Ponto-e-vírgula(;) marca uma pausa mais longa que a vírgula, porém menor que o ponto. Emprega-se o ponto-e-vírgula, entre outras razões, para: separar orações coordenadas que tenham uma certa extensão Separar orações coordenadas que já venham quebradas por vírgula...

Quer saber mais?

CONTATOS

EMEF Antonio Carlos de Andrade e Silva, R. Baltazar Santana, 365, 08040-420, São Paulo, SP, tel. (11) 6154-1899

Escola de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, R. Acadêmico Hélio Ramos, s/no, Cidade Universitária, 50740-530, Recife, PE, tel. (81) 2126- 8332

Colégio Sidarta, Estr. Municipal Fernando Nobre, 1332, 06705-490, Cotia, SP, tel. (11) 4612-2711

BIBLIOGRAFIA

Muito Além da Gramática, Irandé Antunes, 168 págs., Ed. Parábola, tel. (11) 6914-4932, 26 reais

Produção de Textos na Escola: Reflexões e Práticas no Ensino Fundamental, Telma Leal e Ana Carolina Brandão (orgs.), 208 págs., Ed. Autêncita, tel. 0800-2831-322, 32 reais



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