Alguns dias atrás, em meu perfil no Facebook, comentei ter visto a divulgação de um concurso literário e ter sido atraída por um determinado comentário. Um dos seguidores da página fez a seguinte pergunta: "Gênero literário é o quê? É pra escrever como se fosse teatro?" Continuei a leitura e, para a minha surpresa, havia várias perguntas semelhantes. Essa dúvida ligou um alerta pra mim: como anda a nossa educação literária? Como temos abordado essa área de conhecimento nas escolas se, ao se interessar por um concurso literário, os interessados sequer entenderam as possibilidades de produção? É o tipo de situação que remete a frases como "Eu não vou usar isso nunca…". A educação literária vai mal das pernas!
Gênero literário é o quê?
A palavra "gênero" traz a ideia de origem, como aparece na palavra latina genus, generis, de que ela deriva. É nesse sentido que foi usada até o Renascimento. Essa definição inicial, que implicitamente remete à ideia de "conjunto de seres", foi ressignificada e passou a designar também um reagrupamento de pessoas ou de objetos com características comuns; é esse o sentido usado pela literatura: um agrupamento de obras com estruturação semelhante.
Em outro texto, publicado aqui no Conversa de Português, expliquei que
O texto fundador sobre a questão dos gêneros literários é a Arte Poética, de Aristóteles, embora essa palavra não seja utilizada no original latino. Aristóteles escrevera que o objetivo de sua obra seria "a arte poética e suas espécies, do efeito próprio de cada uma delas, da maneira pela qual é preciso agenciar as histórias para a composição das quais se deseja obter êxito". O grego Platão também abordou o assunto em sua obra A República. (MOTTA, 2011)
O gênero dramático é, sim, o gênero do teatro; a palavra de que o termo se origina significa "fazer", "ação". No teatro, personagens e ação são apresentados e encenados sem a mediação de um narrador. Nesse gênero, toda a ação é elaborada a partir da "manutenção de uma forte expectativa, que desemboca no desfecho da ação" (SOARES, 1993, p. 59).
E na escola?
O aluno do Ensino Médio geralmente acha a aula de literatura desagradável. O professor diz que o adolescente não lê. Os livros didáticos trazem obras literárias "picotadas" : um trechinho de alguma obra clássica aparece como pretexto para o ensino de oração subordinada ou qualquer outro ponto gramatical.
Zappone (2008) analisa o modelo de educação literária e observa uma tradição historicista, "que tematizava os períodos de 'evolução' literária, bem ao gosto determinista do século dezenove. […] Predominou, sem grandes alterações, do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX". Ou seja, preocupa-se demais em contar a história da literatura e muito pouco com o prazer da leitura e com a compreensão do texto. Tenho dito a mesma coisa nas lives que transmito pelo Instagram: ensino de literatura não pode ser só lista de características de períodos literários. Eu nem sei se é preciso ensinar tais listas nas aulas de literatura… Quando eu vejo que um indivíduo sequer compreende uma regra do concurso de que deseja participar, a lista de características parece-me algo inútil.
Sugestões de leitura para o professor:
Da leitura literária à produção de textos, Ernani Terra (Editora Contexto) ─ O autor apresenta quatro gêneros literários como ponto de partida para a produção textual em sala de aula: a crônica, o conto, a poesia e o romance. Confira na Amazon.
Letramento literário: teoria e prática, de Rildo Cosson ─ O autor propõe a criação de uma comunidade de leitores na sala de aula. Confira na Amazon.
Modelos de letramento literário e ensino de literatura: problemas e perspectivas, de Mirian Zappone. Acesse o PDF na página da Revista Teoria e Prática da Educação.
Ensino de literatura: a questão do letramento literário, de Alexandra Santos Pinheiro. Acesse o capítulo do livro no site da Universidade Federal da Grande Dourados.
A magia do gênero dramático na escola: leitura, adaptação e encenação em Hoje é dia de Maria, de Elisângela Araújo Silva. Confira nos Anais do VII Encontro Nacional de Literatura Infanto-Juvenil e Ensino (ENLIJE).
Descobrindo o gênero dramático por meio da inserção da literatura no ensino fundamental, de Bruna Soares Lopes e outros. Confira nos Anais do Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão.
Original Article: http://conversadeportugues.com.br/2020/04/genero-dramatico/
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