(Redação) Entenda como as religiões perpassam a guerra e a importância do respeito recíproco pelas diversas crenças | Distrito Federal | G1

Entenda como as religiões perpassam a guerra e a importância do respeito recíproco pelas diversas crenças | Distrito Federal | G1

Entenda como as religiões perpassam a guerra e a importância do respeito recíproco pelas diversas crenças

Após três semanas do início do conflito entre Israel e Hamas, mundo celebra Dia Internacional da Liberdade Religiosa. Representantes religiosos e pesquisadores do Islamismo, Judaísmo, Testemunhas de Jeová e Umbanda explicam pilares de cada crença.

Imagens da guerra entre Hamas e Israel — Foto: Ariel Schalit/AP; Baz Ratner/AP; Paul White/AP; Fatima Shbair/AP

A religião perpassa muitos campos da sociedade – cultural, moral, ético – e oferece respostas simbólicas para questões como o que é a vida e a morte. Estes são dois dos pontos de conexão entre as diversas religiões existentes no planeta, segundo pesquisadores ouvidos pelo g1.

"Existe um movimento da experiência humana, que é universal, que todo ser humano tem que é a propensão à busca de sentido. Esse movimento da busca de sentido daquilo que ultrapassa o material, o fisiológico, o biológico", diz a doutora em Psicologia e pós-doutora em Psicologia da Religião, Marta Helena de Freitas.

Mas, em alguns momentos, o que é visível é somente o desrespeito com as diferentes ideias e caminhos para as explicações do mundo. A intolerância religiosa e o preconceito marcam as três semanas de uma nova guerra no Oriente Médio, entre Israel e Hamas, que foi iniciada em 7 de outubro.

Na sexta-feira (27), Dia Internacional da Liberdade Religiosa, o número de palestinos mortos chegava a 7,3 mil, segundo o Hamas, e Israel contabiliza 1,4 mil mortes.

"Infelizmente, no caso do Oriente Médio, há uma intolerância à religião diferente daquela que eu encontrei o meu sentido de existência, onde um grupo se situou e se encontrou, aquele outro movimento que diverge não é aceito. E se constitui em formas de violência tanto simbólica, quanto concreta extremamente destrutivas que a gente está vivendo", diz Marta Helena de Freitas.

No entanto, a professora explica que a guerra não pode ser reduzida à questão religiosa. No Oriente Médio, a história das religiões se entrelaça com uma disputa territorial e com questões econômicas, sociais e políticas.

A especialista de psicologia da religião aponta que além da busca de sentido, foram se somando às religiões aspectos sociais, culturais, antropológicos, econômicos e políticos no decorrer da história. "Às vezes, valores que acabam retornando ou se aproximando muito de um materialismo, de um poder pelo poder e em nome disso se cometem violências simbólicas e concretas", diz a pesquisadora.

Quando a sede de poder e a imposição de uma "verdade" ultrapassam os sentidos de solidariedade e de empatia, a religião se torna autoritária e busca se impor e impor uma identidade cultural.

"No momento que se quer que a verdade de um prevaleça sobre a de outros, há uma tendência de se impor esse próprio sistema aos demais. A partir daí, a coisa vira conflito, vira violência e vira guerra. Tem virado guerra ao longo da história e, quando se associa às questões econômicas, políticas e de interesses de cunho mais materialista, se agrava ainda mais", afirma.

A professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e pesquisadora da área de Psicologia da Religião Marta Helena de Freitas explica dois conceitos para entender o impacto da religião na vida das pessoas:

  • Espiritualidade: movimento pela necessidade de busca de sentido e de significado para a vida, remete a noção de "sopro de vida", o que mantém a existência
  • Religiosidade: crença no que transcende, ou seja, uma vivência, experiência subjetiva de crença no transcendente que pode se ancorar ou não em uma religião

A religião – que é apresentada pela professora como modos compartilhados de crença no transcendente, ou seja, uma forma pela qual a espiritualidade ganha forma, visibilidade, se institucionaliza, vira dogma e doutrina – pode desempenhar dois papéis principais: função cognitiva e função de motivação, segundo o professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Eurico dos Santos.

"É fogo constante da nossa ação, ou uma espécie de lente para a gente ler o mundo", diz o professor Eurico dos Santos.
  • Lente para ler o mundo: dimensão intelectual, de entender o mundo, explicar o sentido das coisas, o sentido da vida, propiciar entendimento sobre o mundo.
  • Fogo para ação: papel de motivação, agir no mundo, a palavra alma é anima, a religião anima, dá consistência aos sistemas internos para decidirem em uma determinada direção outra.

Na semana na qual foi comemorado o Dia Internacional da Liberdade Religiosa (entenda mais abaixo), o g1 entrevistou representantes religiosos e pesquisadores de quatro religiões para entender as formas de leitura do mundo do Islamismo, do Judaísmo, das Testemunhas de Jeová e da Umbanda e suas conexões. Leia abaixo:

Muçulmanos rezam em volta da Caaba, na Grande Mesquita, na cidade sagrada de Meca. — Foto: AFP

O Islamismo pode ser dividido em cinco pilares principais:

  1. Deus único e absoluto (Allah) e Muhammad é seu profeta
  2. Orações 5 vezes ao dia: às 5h30, 12h, 15h30, 18h, 19h30
  3. Zakat: é a caridade, ou seja, doação de 2,5% da renda anual
  4. Jejum no mês do Ramadã: se alimentam apenas após a quarta oração
  5. Peregrinação à Meca, se o fiel tiver condições financeiras

Segundo a professora Maha Abdelaziz Zeineldin, que ensina língua árabe e cultura islâmica no Centro Islâmico de Brasília, o livro sagrado é o Alcorão e a cidade sagrada é Meca, na Arábia Saudita. A origem do Islamismo foi na cidade onde o profeta recebeu o livro sagrado do anjo Gabriel, conforme a religião.

Em relação à organização da instituição, a professora explica que a religião não tinha como objetivo ser separada em hierarquias. No entanto, elas foram criadas e o sheik é considerado o líder religioso.

A professora Maha Abdelaziz Zeineldin diz que a perseguição religiosa existe, mas que é preciso buscar o respeito recíproco.

"Não vejo de bons olhos quando atacam outras religiões. As pessoas têm que viver em comunhão, em respeito recíproco. Uma pessoa respeita a outra, uma religião respeita a outra e cada um no seu espaço", diz Maha Abdelaziz Zeineldin.

Jerusalém é considerada a cidade sagrada do Judaísmo. — Foto: GETTY IMAGES via BBC

O judaísmo é uma religião, que segundo Mouhamad Ibrahim Belaciano, que foi vice-presidente da Associação Cultural Israelita de Brasília (Acib), também é baseado em cinco pilares:

  1. Crença de um único Deus e nos Dez Mandamentos
  2. Participação do indivíduo em coletivo
  3. Estudo e busca de respostas
  4. Memória de uma consciência histórica
  5. Prática do Tzedaká, que é fazer o bem, e do Tikun Olam, que é a busca por justiça e melhorias no mundo
"Um sábio resumiu o 'ser judeu' no mundo da seguinte forma: 'Não faça a outros o que não queres que te façam – todo o resto são comentários'", diz Mouhamad Ibrahim Belaciano.

O livro sagrado da religião é a Torá, no entanto, pode ser agregada a outros escritos sagrados e receber a denominação de Tannah ou Bíblia Hebraica. Além destes, há outros livros importantes para o judaísmo como o Mishné Torá, o Talmud e o Zohar. A cidade sagrada é Jerusalém.

No Judaísmo, os cultos são realizados em sinagogas e há o dia semanal do descanso, conhecido como Shabat judaico. Mouhamad Ibrahim Belaciano explica que há desde judeus ortodoxos até menos ortodoxos e também "judeus não judeus" com congregações que aceitam mulheres rabinas – que é como são chamadas as lideranças religiosas da comunidade judaica.

A religião Testemunhas de Jeová conta com orações individuais ou em grupo. — Foto: Aguinaldo Oliveira/Divulgação

A crença em um único Deus, nomeado Jeová, é o que move as testemunhas de Jeová, religião criada nos Estados Unidos. Com orações individuais ou em grupo, a ideia, segundo o porta-voz regional do DF das Testemunhas de Jeová, Adriano Faria, é se comunicar e criar uma conexão por meio das preces.

"Oração é uma maneira que temos para nos aproximar de Deus, ele fala conosco por meio da bíblia e a gente conversa com Deus por meio das orações. É como uma amizade, envolve você trocar ideias com seu amigo, a gente tem esse alvo, nos tornamos amigos de Deus", diz Faria.

No DF, segundo Adriano Faria, são cerca de 180 congregações – com cerca de 100 a 180 pessoas em cada uma. As reuniões ocorrem duas vezes por semana e duram cerca de 1h45.

"A marca registrada é o trabalho de pregação de casa em casa. Não tem um dia específico, a maioria dedica nos fins de semana. É um trabalho voluntário", diz.

Nas casas das pessoas, de acordo com Adriano Faria, na maioria das vezes as testemunhas de Jeová vão em dupla e há o estudo da bíblia – livro sagrado da religião. Outros costumes da religião são que os praticantes não aceitam transfusão de sangue – mas aceitam tratamento médico – e não comemoram aniversários.

Cada terreiro possui o próprio líder ou dirigente, chamado de pai de santo, babalorixá, zelador, dependendo da vertente da umbanda. — Foto: Maria Júlia Araújo/G1

A umbanda é uma religião que mistura elementos das religiões de matrizes africanas, kardecistas e cristãs. Segundo o dirigente Marcelo Costa, do templo Xangô Quatro Luas, a religião também costuma seguir cinco pilares:

  1. Caridade
  2. Lei e ordem
  3. Bondade
  4. Disciplina
  5. Evolução
"Nós somos responsáveis pela nossa própria evolução, e não devemos culpar os outros. Não devemos responsabilizar os outros, mas devemos nos ocupar da nossa própria evolução, focado em nosso ser, focado em nosso espírito e na bondade que nos é dada pelo criador", diz Marcelo Costa.

A religião, segundo ele, pode ser considerada henoteísta, ou seja, há a crença em um criador supremo, no entanto, a umbanda não nega a existência de outras divindades, como orixás e santos.

Cada terreiro possui o próprio líder ou dirigente, chamado de pai de santo, babalorixá, zelador, dependendo da vertente da umbanda. "É uma religião heterogênea", segundo Marcelo Costa, pode ser ligada ao kardecismo, à encantaria do Nordeste, à umbanda oriental.

O dirigente conta que a perseguição religiosa vai desde a negação do terreno para a construção do terreiro até a depredação dos templos. "Eu dou [um terreno] para a Igreja Evangélica, mas não dou para terreiro de macumba", foi uma das frases que Marcelo já ouviu de administradores no Distrito Federal.

O templo que ele coordena – em um terreno alugado na região de Vicente Pires, há 12 anos – já contou com diversos tipos de depredação: pedras arremessadas no telhado, invasão e destruição de elementos religiosos e o portão do local já foi alvejado com tiros.

As religiões mais atacadas no DF são as de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé. Em 2018 e 2019, as duas religiões representaram 76,1% das ocorrências de intolerância religiosa, segundo a Polícia Civil do Distrito Federal.

O conceito de liberdade religiosa, segundo professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Eurico dos Santos é antigo e começou a ser observado no tempo dos grandes impérios.

"Dois mil anos atrás, na formação dos grandes impérios que sempre foram ligados ao convívio de religiões diferentes", diz ele. No entanto, o pesquisador ressalta que muitos imperadores impuseram uma religião como principal, outros "toleraram" crenças de povos que estavam na condição de dominados.

O pesquisador ressalta que na Idade Média foi ao contrário, já que houve uma forte imposição do catolicismo e a perseguição de religiosos de outras crenças. Esta imposição da religião é impossível, como destaca o professor, já que "a religião é como um fogo que anima a pessoa e como uma forma de entendimento do mundo".

Os exemplos de sociedades que conviveram com religiões diferentes e das que tentaram impor uma única foram a base para que, no início do século 18, com a Revolução Industrial e o desenvolvimento do comércio e do capitalismo, fosse iniciado o pensamento de uma sociedade mundial "na qual as pessoas estivessem interligadas pelo comércio, indústria, independentemente da religião que elas têm", explica o professor.

"A ideia de liberdade religiosa é uma mistura da antiga tolerância religiosa da antiguidade com a ideia de que ninguém é proibido de cultivar a religião. É uma espécie de fluido dentro do qual as diferentes religiões podem trafegar na medida em que elas não disputam o poder", diz Eurico dos Santos.

Garantia na Constituição

Liberdade religiosa é um direito garantido a todos os brasileiros

Liberdade religiosa é um direito garantido a todos os brasileiros

O professor Eurico dos Santos lembra que a liberdade religiosa é um produto do Estado: "Por definição tem que vir de lei". No Brasil, este direito é mencionado no primeiro capítulo da Constituição Federal:

"É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias", diz a Constituição do Brasil.

No Código Penal, há a definição de pena para os crimes contra o sentimento religioso que podem ser definidos como ameaçar ou humilhar alguém publicamente por motivo de crença, impedir ou perturbar cerimônia religiosa ou depredar objeto de culto religioso. A detenção varia de um mês a um ano ou pode ser aplicada uma multa. Se houver uso de violência, a pena pode aumentar.

Mesmo com a garantia na lei, o pesquisador ressalta que a insistência na intolerância religiosa continua circulando pela sociedade. No Distrito Federal, em 2022, foram registradas 24 ocorrências com a natureza de discriminação religiosa, segundo levantamento da Polícia Civil do DF.

Dia Internacional da Liberdade Religiosa

O Dia Internacional da Liberdade Religiosa, comemorado no dia 27 de outubro, foi criado em 1998, quando os Estados Unidos promulgaram a lei sobre liberdade religiosa internacional.

O dia, que tem como ideia celebrar a liberdade de crenças e credos ao redor do mundo, reflete no Brasil uma realidade que busca alcançar a tolerância religiosa, como é explicado pelo professor do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Eurico dos Santos.

"A crença que liga todos os brasileiros, não é uma crença religiosa, é uma crença política. A gente tem o melhor de dois mundos: várias religiões com as várias disposições éticas que elas trazem e, ao mesmo tempo, uma unidade política de toda a população", diz.

Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.

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